A recusa de Vacinação no âmbito laboral e suas consequências

A vacinação e o vínculo laboral

No período conturbado em que vivemos, para além de nos vermos confrontados com desafios e vicissitudes nunca antes experienciadas, suscitam-se novas e importantes questões no âmbito laboral, quer quanto aos novos regimes de prestação das funções, que se repartem em regimes de teletrabalho ou regimes mistos, quer quanto aos constrangimentos que a situação pandémica impõe ao contexto laboral.

Revela-se uma preocupação comum e cada vez mais frequente a situação inerente à vacinação dos trabalhadores, uma vez que a toma de vacina, ainda que promovida pelas autoridades competentes, não tem carácter obrigatório.

Tal circunstância conduz a uma realidade em que numa mesma empresa podemos ter trabalhadores vacinados e outros toma da vacinação, o que, na maioria das situações, importa algum constrangimento entre os próprios trabalhadores.

A QUESTÃO QUE SE SUSCITA É SE O DIREITO PRIVADO DE CADA UM DOS TRABALHADORES EM SE RECUSAR, LIVREMENTE, À TOMA DA VACINAÇÃO PODE PREVALECER SOBRE O DIREITO COLETIVO DO AMBIENTE LABORAL E DA OBRIGAÇÃO DA ENTIDADE EMPREGADORA EM ASSEGURAR UM AMBIENTE SÃO A TODOS OS SEUS TRABALHADORES.

Propomo-nos, desse modo, a apreciar a validade, legalidade e consequências da recusa por parte de um trabalhador da toma de vacina para a prevenção da doença Covid-19.


A pandemia gerada pelo vírus que causa a doença Covid-19 provocou uma crise sanitária, económica e social sem precedentes, no âmbito mundial. O impacto nefasto que o surto em causa impôs quer a nível nacional, quer a nível internacional, desconhecendo quaisquer fronteiras, conduziu a um esforço comum e notório, sem precedentes, para o desenvolvimento, aprovação, fabricação e distribuição de vacinas seguras e eficazes, as quais aprovadas pelas entidades reguladoras competentes.

As vacinas aprovadas e de uso em território nacional, comprovadamente benéficas e aptas a conceder uma imunidade de grupo e um findar à situação pandémica, são passos determinantes para:

  • enfrentar os riscos à vida e à saúde derivados da pandemia;
  • diminuir a sobrecarga dos sistemas de saúde;
  • mitigar os efeitos das medidas de saúde pública que foram implementadas para conter o contágio.

Em Portugal, embora se classifique a vacinação contra a Covid- 19 como voluntária, existe um conjunto de medidas e restrições para as pessoas não vacinadas, como é o caso do acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, cujas limitações – as quais impostas para, por outro modo, se acautelar e mitigar a propagação do vírus, apenas são ultrapassadas mediante a exibição do Certificado Digital Covid.

Face o enquadramento legal da relação laboral, temos que Um dos deveres e obrigações basilares do empregador é zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e prevenir riscos laborais, cf. exarado no artigo 127.o do Código do Trabalho, advindo da obrigação de proporcionar boas condições de trabalho, prevenir riscos e doenças profissionais e de adotar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho – vide alíneas c), g) e h), do n.o 1 do mencionado preceito.

Nessa perspetiva, é legítimo expressar que cabe ao empregador adotar as medidas necessárias para garantir o cumprimento dessas regras, tendo em conta, além da legislação aplicável, as recomendações das autoridades de saúde relativamente à prevenção da doença Covid-19, nomeadamente assegurar medidas de implementação do préstimo de atividade em regime de teletrabalho, o fornecimento de equipamentos de proteção individual, a manutenção das distâncias de segurança e a realização de desinfeção e limpeza periódicas das instalações.

A implementação de tais medidas, nomeadamente, a adoção de regime de teletrabalho e /ou a obrigatoriedade de utilização de equipamento de proteção individual é englobada no poder de direção do empregador.

Contudo, a imposição e/ou a adoção de medidas condutivas à imposição da prática de vacinação é abarcada por tal poder!? Como se relaciona o poder de direção com a saúde e registos inerentes do Trabalhador e o seu direito à privacidade e livre arbítrio!?

O empregador não pode, por regra, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das suas condições físicas ou psíquicas.

Por outras palavras, o princípio geral é o da irrelevância das matérias no que toca à esfera privada do trabalhador para a dinâmica do contrato de trabalho.

No entanto, a legislação laboral admite que tal princípio possa ser objeto de exceções quando:

  1. (i)  T enham por finalidade a proteção esegurança do trabalhador ou de terceiros, por exemplo clientes, visitantes, fornecedores, etc.;
  2. (ii)  Particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem.

Em qualquer destes casos, deve sempre ser dada ao trabalhador justificação escrita, devendo, os comprovativos apresentados pelo trabalhador , ser analisados por médico, o qual apenas informa o empregado se o trabalhador está, ou não, apto para desempenhar a atividade profissional em causa.

Outra questão que tem vindo a ser colocada quanto à informação acerca da vacinação é a relacionada com o Regulamento Geral da Proteção de Dados, adiante designado pelas siglas RGPD.

De acordo com a declaração do Comité Europeu para a Proteção de Dados adotada em 19 de março de 2020, no contexto das relações laborais, o tratamento de dados pessoais pode ser necessário para cumprir obrigações legais a que o empregador esteja sujeito, nomeadamente, obrigações em matéria de saúde e segurança no local de trabalho, ou por razões de interesse público, como o controlo de doenças e de outras ameaças para a saúde.

De acordo com o Regulamento Geral da Proteção de Dados, nomeadamente o artigo 9.o, n.o 2, são legítimos os tratamentos de dados sem consentimento sobretudo nas seguintes situações:

  • Se o tratamento for necessário para a medicina preventiva ou do trabalho, para avaliação da capacidade de trabalho do empregado, o diagnóstico médico, a prestação de cuidados ou tratamento de saúde;
  • Se o tratamento for necessário por motivos de interesse público no domínio da saúde pública.

Também os artigos 6.o, n.o 1, alínea d), e 9.o, n.o 2, alínea c), do mesmo diploma, referem o tratamento de dados, sem necessidade de consentimento, – ainda que quanto a um objeto distinto – sempre que necessário para proteger os interesses vitais dos titulares de dados ou outras pessoas singulares.


No mesmo contexto, o Considerando (46) do mencionado Regulamento afigura-se claro e refere os tratamentos de dados que conciliam o interesse público e os interesses vitais “para fins humanitários incluindo a monitorização de epidemias e a sua propagação (…)”

Cumpre-nos agora apreciar a questão da admissibilidade do certificado digital Covid. Por outras palavras, impera ora versar sobre a questão busílis no caso presente, nomeadamente:

“Poderá a entidade patronal exigir aos seus trabalhadores um comprovativo de vacinação para efeitos de contratação e manutenção do vínculo laboral?”


Apesar desta questão estar longe de alcançar consenso, por assentar em sérias contingências e ainda não existir legislação específica sobre o assunto, somos de opinião que, atualmente, salvo algumas exceções, o empregador pode exigir aos seus trabalhadores o certificado de vacinação com vista à contratação ou manutenção da relação laboral.

Tomando como ponto de partida o caso prático dum trabalhador que desempenhe funções de vigilante num edifício privado, estando em permanente contacto com os moradores que aí residem, visitas e outros trabalhadores que nele prestam a sua actividade profissional, somos conduzidos a considerar o seguinte:

Face à rápida propagação da variante Delta que, aliás, é a variante abundante em Portugal, o risco de infeção em áreas onde se concentram grande número de pessoas, como é o caso do condomínio em causa, é manifestamente elevado.

Considerando que a vacina para a prevenção da COVID-19 se encontra disponível, gratuitamente, ao alcance de todos e que, inclusivamente, grande parte da população já se encontra vacinada afigura-se-nos ser legítimo ao empregador, tendo em vista a proteção e segurança do trabalhador e de terceiros, que coloque como condição à contratação e/ou à manutenção do vínculo laboral a existência do aludido certificado.

A legitimidade que assiste à entidade patronal tem por finalidade a prevenção de surtos de contágio pelo vírus subjacente à doença Covid-19 no contexto da saúde pública e constitui uma das exceções ao artigo 19.o n.o 1 do Código do Trabalho, o qual determina que “(..) o empregador, não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para a comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particular exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer dos casos ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação.”

Assim, articulado o diploma de cariz laboral vigente no ordenamento português com o Regulamento acima referenciado, antevê-se legitimidade ao empregador de aferir e incutir a prática de inoculação, tendo em vista a garantia da segurança pública e a mitigação da situação pandémica, tendo, como subjacente a tal propósito, o objetivo de cumprimento do dever de zelar pelo bem-estar e segurança dos seus trabalhadores.

Sendo que, no caso concreto, face a natureza e características da atividade desenvolvida, tal dever acentua-se por coadjuvante à segurança dos que com a empresa, na pessoa dos seus trabalhadores, interage.


Contudo, não obstante se revelar defensável a legitimidade por parte do empregador em colocar como condição da contratação ou manutenção da relação laboral a existência de certificado de vacinação, o mesmo terá que observar taxativamente a adoção da seguinte ordem de procedimentos, ficando assim arredada a violação do direito de igualdade e do direito ao trabalho:

– Verificar e adotar todas as medidas possíveis para assegurar a saúde dos trabalhadores, tais como a implementação do teletrabalho ou alteração do local de trabalho quando possível;

– Fornecer ao trabalhador Informação escrita adequada para o efeito.

– Analisar o certificado digital, voluntariamente cedido pelo Trabalhador, somente para efeitos de comprovação da toma da vacinação, aferindo, dessa forma, a aptidão ou inaptidão ao desempenho da atividade.

Porém, sem prejuízo do acima exposto, é de ressalvar que o entendimento aqui sufragado não é isento de pontos de contrariedade relevantes e posições antagonicamente diversas à aqui defendida, sendo de denotar que os dados pessoais inerentes à exibição do certificado digital revestem cariz sensível, bem como de referenciar que a opção de vacinação pode ser considerada como uma questão pessoal, alheia ao foro laboral.

Por tais motivos, não se deixa de ressalvar que entendemos que uma decisão desta importância – atinente à imposição ou adoção de medidas impositivas da vacinação para o escrutínio da contratação e/ou manutenção de vinculo laboral – deve ser considerada apenas como última opção, por não estar livre de considerações distintas das aqui concedidas.

Antes de recorrer a uma decisão tão perentória, a entidade empregadora deve adotar todas as medidas possíveis para assegurar a saúde dos trabalhadores (tais como fornecimento de equipamentos de proteção individual, manutenção das distâncias de segurança, realização de desinfeção e limpezas periódicas nas instalações, alteração de posto de trabalho, etc.).

No caso de oposição da toma de vacinação na vigência de contrato de trabalho, como se trata do caso em referência, não sendo possível à entidade empregadora alocar o trabalhador a uma das soluções alternativas ou aquelas não se revelarem aptas a deslindar o cerne do diferendo, o empregador terá então de seguir os trâmites legais com vista à cessação do contrato de trabalho por parte da empregadora.

A recusa infundada, desprovida de fundamento científico ou médico (e somente esta), poderá ser considerada como uma prática contrária aos bons ditames laborais, porquanto se revela propicia a colocar em causa a saúde de colegas, beneficiários da função exercida, etc.

Sendo que, sem desvalor das ressalvas operadas nos parágrafos antecedentes, crê- se que o confronto do direito coletivo (de saúde pública e segurança) em colisão com o direito individual (de livre arbítrio e escolha pessoal) importará, no caso em apreço, pela sensibilidade e amplitude dos efeitos, o detrimento da individualidade face o interesse coletivo, por motivos ponderosos de saúde, nomeadamente, da própria vida.

Nesta esteira, a conduta infundada, a ser aferida caso a caso, poderá configurar uma violação do dever de colaboração, quer na vertente relação respeito e de urbanidade e probidade com os demais intervenientes (inclusive empregador, superiores hierárquicos, companheiros de trabalho e a pessoas que se relacionam com a empresa), quer, outrossim, do de melhoria da segurança e saúde no trabalho, bem como ainda do dever de cumprimento das ordens e instruções do empregador respeitantes à segurança e saúde no trabalho.

A considerar-se e concluir-se pela mácula de tais deveres, por inerência ao comportamento negacionista do Trabalhador, o empregador vê-se legitimado e munido de indícios bastantes para a abertura de processo disciplinar, o qual propício, ultima ratio, a conduzir ao despedimento do trabalhador, por justa causa, sem direito a qualquer indemnização.


Pese embora, até à presente data, não exista legislação específica quanto a esta matéria é possível integrar tal lacuna mediante a conjugação do preceituado nos artigos 17.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, e 19.o, n.o 1, com a obrigação por parte da entidade empregadora em zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e prevenir riscos laborais, prevista no artigo 127.o n.o 1 alínea h), todos do Código do Trabalho, sem desvalor dos demais preceitos legais referenciados no corpo do presente parecer .

Desta feita, somos de opinião que a entidade empregadora pode colocar como condição da contratação, bem como da manutenção do vínculo laboral, a existência do aludido certificado, comprovativo da conclusão e toma da inoculação, com o intuito de zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e terceiros bem como prevenir riscos laborais devendo, para tanto, observar todos os procedimentos necessários ao aludido fim.

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