A Lei n.o 67/2021, de 25 de agosto veio determinar alterações à Lei – Quadro das Fundações que, pela sua relevância, merecerem a nossa análise.
Da Tipologia e Reconhecimento
________________
O primeiro dos aspetos a ter em consideração inerente à Lei supra aduzida reporta-se à tipologia de fundações, as quais, consabidamente, se repartem em «fundações privadas», «fundações públicas de direito público» e as «fundações públicas de direito privado».
A alteração em causa não é significativa no que toca à determinação dos diversos tipos de fundações, cujos conceitos já se vem previamente balizados, mas é fulcral quanto ao conceito de dubiedade e fluidez entre os conceitos vigentes.
A redação imposta pela nova lei importa duas situações que reconhece não só a existência de situações fronteira dentro dos estreitos parâmetros balizados quanto aos tipos de fundações, como, também, reconhece a fluidez da existência e continuidade daquelas, o que aporta uma característica de atualidade à Lei-Quadro.
Em coesão com o normal viver, pelas alterações realizadas reconhece-se a existência de situações de dúvida sobre a natureza privada ou pública duma fundação, aclarando-se, pelo novo n.o 3 do artigo 4. da Lei-Quadro em referência, que em tais casos a qualificação a determinar a Fundação resultará de pronúncia do Conselho Consultivo, cujo poder-dever se englobará na competência genérica deste Conselho se pronunciar sobre os resultados de ações de fiscalização às fundações.
Em paralelo, vê-se igualmente desmistificado a tipologia eterna das fundações públicas de direito privado, visto se pronunciar possível que nos casos de pessoas coletivas públicas deixarem de deter influência dominante sobre uma fundação, aquela pode, efetivamente, ser requalificada, também no seguimento e mediante parecer obrigatório e vinculativo do Conselho Coletivo.
________________
É de fazer igualmente nota ao esclarecimento de índole vinculativo operado pelo aditamento do n.o 2 ao artigo 6.o, o qual passa a determinar, de forma inequívoca, que o reconhecimento das fundações privadas é individual, carecendo de reconhecimento sujeito à prévia aquisição dos bens e direitos e às formalidades do seu pedido, legalmente contempladas.
Sob o lance de reconhecimento das fundações, surge ainda outra alteração de relevo, esta última respeitante aos bens afetos à fundação.
É imperioso e pressuposto do reconhecimento duma Fundação a prévia declaração, sob compromisso de honra, que sobre os bens afetos não subsistem quaisquer dúvidas e/ ou litígios.
________________
A obrigação já anteriormente imposta, de mera declaração, vê-se ora reforçada pela previsão legal de que o conhecimento de existência de dúvidas ou litígios sobre os bens afetos à fundação faz incorrer os seus autores em responsabilidade criminal.
O ludibriar da obrigação declarativa para além da sobredita responsabilidade por falsas declarações é ainda apta a conduzir à revogação do ato de reconhecimento.
As alterações introduzidas quanto a esta matéria manifestam uma séria pretensão de garantia dos bens afetos às fundações e sua proteção.
Das Obrigações Impostas
Em idêntico sentido, com vista a maior clareza, rigor e transparência das Fundações, é imposto, para além das diversas obrigações anteriormente já contempladas, duas novas obrigações subjacentes ao escopo financeiro daquelas, determinando-se que todas as fundações que exerçam a sua atividade em território nacional passam a estar obrigadas a (i) submeter anualmente as suas demonstrações financeiras a certificação legal das contas e (ii) a disponibilizar permanentemente na sua página da Internet a respetiva certificação legal das contas e, quando obrigatório, o relatório do revisto oficial de contas.
Ressalve-se, contudo, que a obrigação de submissão anual de certificação não abrange as fundações que não preencham os critérios do n.os 1 e 2 do artigo 12.o do Decreto-Lei n.o 36-A/2011, de 9 de março, isto é fundações que, não apresentando contas consolidadas, ultrapassem dois dos três limites: total do balanço € 1.500.000 | total das vendas líquidas e outros proveitos € 3.000.000 | numero de trabalhadores empregados em média durante o exercício 50 – artigo 262.o do Código das Sociedades Comerciais.
A diretriz de prossecução e transparência vê-se igualmente impressa na Lei-Quadro pelo aditamento do artigo 9.oA, com a epígrafe “Transparência do financiamento público a fundações”, o qual determina que “até ao fim do mês de março de cada ano, o Governo assegura divulgação pública, com atualização trimestral, da lista de financiamentos por via de verbas do Orçamento do Estado a fundações.”
Bem como pela previsão de que as fundações públicas ficam sujeitas ao regime de gestão económico-financeira e patrimonial previsto na lei-quadro dos institutos públicos, nomeadamente à jurisdição do Tribunal de Contas e ainda na determinação de que as fundações privadas que beneficiem de apoios financeiros públicos ficam sujeitas à fiscalização e controlo dos serviços competentes do Ministério das Finanças e ao controlo do Tribunal de Contas relativamente à utilização desses apoios.
Tal conceito vê-se redobrado pela limitação imposta quanto a gastos com pessoal no âmbito de fundações privadas com estatuto de utilidade pública e de fundações públicas.
Nomeadamente:
a) Quanto às fundações cuja atividade consista predominantemente na concessão de benefícios ou apoios financeiros à comunidade, 15 % dos seus rendimentos anuais;
b) Quanto às fundações cuja atividade consista predominantemente na prestação de serviços à comunidade, 75 % dos seus rendimentos anuais.
________________
O incumprimento dos limites impostos, os quais balizados pela média de gastos com pessoal referentes ao período atribuído ou renovado do estatuto de utilidade pública, conduz a consequências de relevo, designadamente à possibilidade de revogação do aludido estatuto e até ao eventual indeferimento do pedido de renovação, salvo situações excecionais, nomeadamente, em face de pedido devidamente fundamentado da fundação requerente.
Em todo o caso, as consequências acima denotadas apenas são derrogadas se o impacto e relevo social da atividade exercida assim o determine.
Da Contra Ordenação
Uma outra solução tendente à salvaguarda do conceito de Fundação e ao rigor da sua determinação, reside na instituição duma contraordenação pela utilização indevida do termo fundação na denominação de pessoas coletivas.
Condenando-se como socialmente reprovável e merecedor de censura também a mera a utilização do aludido termo com o fim de enganar autoridade pública, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo ou de prejudicar interesses de outra pessoa.
Sendo aqui também de realçar que a censura ética-jurídica, punível com coima de 50 (euro) a 1 000 (euro), no caso de pessoas singulares, e de 500 (euro) a 10 000 (euro), no caso de pessoas coletiva inerente à contraordenação em causa,
Denote-se que a alteração legislativa acima escrutinada advém duma prévia constituição da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, aprovada em anexo à Lei n.o 36/2021 de 14 de junho e regulada pela Portaria no 138-A/2021, de 30 de junho, cuja vigência remonta a 1 de julho de 2021.
A Lei acima identificada prosseguiu o objetivo de rever, integralmente, a legislação aplicável às fundações e às entidades com estatuto de utilidade pública, visando, ultima ratio, reforçar os instrumentos de fiscalização.
Entre as principais alterações introduzidas pela referida Lei, podemos desde já referir a eliminação da distinção entre pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública, passando os beneficiários deste estatuto a designar-se, apenas, por pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública.
As alterações acima referenciadas entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022.